Começo este artigo dizendo que sou uma “militante” das startups. Atualmente, 20% do meu portfólio está alocado em empresas early-stage de base tecnológica.
O dobro do recomendado pelos especialistas em investimentos. Metade delas são fundadas ou lideradas por mulheres (guardem esta informação). Entrei neste mundo junto com a chegada da Internet no Brasil, no final do século passado. Sendo assim, tomo liberdade para fazer algumas considerações, do ponto de vista da minha trajetória pessoal – de executiva de startups a investidora-anjo.
Os anos de 2021 e 2022 foram de anormalidade no mundo de investimentos de risco, causando uma bolha parecida com a vivida pela Internet no início dos anos 2000. Naquela época, as empresas recebiam aportes sem precisar provar muito bem como se monetizariam. Os boards recebiam salários altíssimos, os aluguéis de escritórios tinham valores estratosféricos. Tudo era oversized.
Ok, era necessário convencer os profissionais a saírem das empresas incumbentes nas quais eles vinham fazendo carreira para se lançar no mundo desconhecido da Web. Eu fui um destes seres corajosos (ou desavisados). Mas havia muita espuma, pouca consistência, na maioria dos projetos. Rios de capital estrangeiro entraram no país. Depois que a bolha estourou, centenas de profissionais perderam seus empregos e muito dinheiro foi embora.
Algumas empresas venceram o vale da morte e estão aí, firmes e fortes, para contar história.
Entre elas, Mercado Livre e Amazon.
De maneira similar, o mercado de investimentos em startups passou por uma correção de rota em 2023. Foi um ano desafiador. Inúmeros empreendimentos fecharam as portas, ou tiveram o seu valuation diminuído. Outros, que estavam acostumados a recorrer periodicamente a novos aportes, precisaram aprender a cortar na carne e fazer mais com menos. Como a torneira do investidor fechou, muitas startups foram obrigadas a seguir no bootstrapping, financiando o negócio através da sua própria geração de caixa.
Isto trouxe um grande aprendizado, tanto para os founders como para os investidores. Separou o joio do trigo. Assim como aconteceu nos anos 2000, mostrou quem tem resiliência, criatividade, flexibilidade, pragmatismo.
A alta dos juros, no Brasil e no exterior, e as incertezas geradas pelas guerras, tornou o investidor mais criterioso. Felizmente, o ano de 2024 tem sido favorável à volta dos investimentos em startups, mas de forma muito mais lenta e cautelosa, e revelando uma nova dinâmica na análise dessas empresas.
Sai de cena o fundador visionário para um perfil que já tenha experiências práticas, tendo se provado perante dificuldades em outros projetos. Foco no cliente, adaptabilidade e capacidade de execução são características-chave para ganhar a confiança dos investidores.
É preciso ter olhar de crescimento no curto prazo: não cabem mais planos de negócios sem expectativa clara de geração de lucro e com alto investimento inicial. Os modelos financeiros sustentáveis são mais bem vistos. Ficar atento ao burn rate, ao lucro líquido e à busca do breakeven são os novos mantras. Até porque, atualmente, o mercado das empresas incumbentes e de M&A estabeleceu o breakeven como marco obrigatório para que uma startup seja adquirida.
Neste ponto, quero me aproveitar do meu lugar de fala como investidora de capital de risco.
Os homens são metade da população. Buscar novos unicórnios em startups fundadas apenas por eles me parece um erro de avaliação. Um estudo do Boston Consulting Group mostra que startups criadas por mulheres geram mais receita e são mais eficientes que aquelas lideradas por homens. (www.bcg.com/publications/uk-gender-pay-gap-report).
Segundo o estudo, as empresas fundadas por mulheres acabam por gerar mais receitas – mais do dobro por cada dólar investido – do que as fundadas por homens. Isto faz delas uma excelente opção de investimento, não acham? Não ponham todos os ovos numa cesta só, rapazes.
Deixem de lado preconceitos e estereótipos de gênero.
As mulheres têm grande capacidade de inovação e criatividade. Muitas vezes elas trazem uma perspectiva única para o desenvolvimento de startups, utilizando suas experiências de vida, habilidades e pontos de vista diversificados, que resultam em soluções inovadoras para desafios complexos.
Além disso, os investidores homens normalmente não conseguem enxergar o potencial de negócios em áreas como cuidados infantis, beleza e menopausa, por exemplo. Por isso é tão crítico incluir mulheres nas decisões de investimentos. Elas trazem novos olhares para oportunidades existentes no mercado. Possuem bagagens e skills diferentes.
Adicionalmente, analisando a missão e o propósito do negócio, startups fundadas por mulheres têm uma forte ênfase em questões de colaboração e construção da comunidade. Nesse sentido, elas buscam criar negócios que não apenas geram lucro, mas que impactam positivamente a sociedade e o meio ambiente.
Mulheres normalmente adotam um estilo de liderança inclusivo, buscam construir equipes diversificadas e promover um ambiente de trabalho positivo. Essa estratégia impulsiona não apenas a gestão do negócio, mas a inovação e o progresso econômico em toda a sociedade.
Sabemos que o machismo estrutural também permeia o ambiente corporativo.
São os tais vieses inconscientes. Mas as mulheres trazem contribuições valiosas para o ecossistema. E lucro. Quem não enxerga isso está deixando muito dinheiro na mesa.